segunda-feira, 15 de agosto de 2011

500 dias com ela (500 days of Summer - 2009)


A história de uma desilusão amorosa


(Esta crítica contém revelações sobre o enredo do filme)

Talvez seja correto dizer que Hollywood contribuiu substancialmente para a consolidação da noção de amor romântico que figurou no imaginário popular durante grande parte do século passado. Foram várias as gerações que cresceram acreditando que o destino lhes guardaria uma alma gêmea, com quem viveriam felizes para sempre. Mas as relações sociais se modificaram e o amor romântico, nos moldes do início do Século XX, entrou em crise. Se isso é verdade, então talvez possamos dizer que 500 dias com ela é um antídoto que Hollywood produz contra seus próprios velhos filmes românticos.

O filme, que ora é classificado erroneamente como comédia romântica, pode pegar de surpresa os casais que o locarem esperando serem enganados (me engana que eu gosto) com a ideia de que o amor, quando verdadeiro, supera todos os obstáculos. 500 dias com ela, como o próprio filme adverte, não é uma história de amor, mas uma história sobre o amor. Especificamente, uma história de uma desilusão amorosa.

Trata-se da história de Tom Hansem, um ingênuo funcionário de uma empresa de fabricação de cartões com mensagens afetivas, que se apaixona perdidamente por Summer Finn, uma colega de trabalho. O filme, sem seguir uma cronologia linear, conta os 500 dias desde quando Tom vê Summer pela primeira vez. Na primeira parte, somos levados a acreditar que se trata de uma história de amor clichê. Ficamos sabendo como Tom se aproxima de sua amada, que os dias com ela foram felizes e que em determinado momento ela termina a relação de forma súbita, abalando profundamente o rapaz. Há um futuro reencontro inesperado entre os dois, e temos indícios para acreditar que sua relação continuará. Da segunda metade em diante, o filme se revela trágico e angustiante. Descobrimos que o amor dos dois não terá sequência e o que se segue é o processo de amadurecimento de Tom, agora obrigado a lidar com uma situação de amor perdido. O dia de número 500 é aquele em que Tom “esquece” definitivamente Summer.

A história é narrada com a perspectiva de Tom. Este se apresenta como um homem que acredita na infalibilidade do amor. Ao conhecer Summer, Tom acredita que ela é sua alma gêmea e a única pessoa capaz de lhe fazer feliz. Da garota, pouco ficamos sabendo, uma vez que só temos acesso a ela pela visão do protagonista. Podemos perceber que ela é uma moça que só procura relações casuais e que afirma não acreditar em grandes histórias de amor. Ela diz a Tom que gosta dele mas não quer nada sério e ele, temendo perdê-la, deixa-a conduzindo a relação. Num certo momento, a garota termina o relacionamento e a partir daí o rapaz fica paralisado. A dificuldade da superação faz com que ele tenha problemas no trabalho e não consiga iniciar novas relações com outras pessoas. Num momento futuro, o protagonista reencontra sua amada e vive com ela um novo dia agradável. Summer convida Tom para uma festa em sua casa. O rapaz vai com grandes expectativas, mas lá percebe que sua perda é definitiva: a garota está noiva de outro. Depois disso ele até tenta sair com outras pessoas, mas ainda está demasiado preso a seu amor não correspondido. Até que sua irmã [uma míuda (pirralha, para os brasileiros) de 12 ou 13 anos] lhe ajuda a perceber, finalmente, o quanto ele havia idealizado a garota. O restante do filme é o desenvolvimento do amadurecimento de Tom, que se reinventa definitivamente e dá novo rumo a sua vida.

A questão central do filme, a meu ver, é o amadurecimento de Tom, que passa de uma noção muito fantasiosa de amor até que o encara por vez de forma realista. Percebemos que Tom esteve tão mergulhado no próprio narcisismo que só enxergava o que queria ver. Durante seu relacionamento com Summer, ele não estava de fato em sintonia com ela, não queria realmente saber dela. Tom queria enxergar em Summer a garota perfeita que ele idealizou, e mesmo depois do término da relação, suas lembranças eram sempre dos bons momentos – aqueles em que a Summer real parecia a Summer idealizada. No entanto, para a garota, o relacionamento dos dois não havia sido tão bom como para ele – ela não estava tão envolvida e incomodava-se com os conflitos, para ele pequenos.  Ainda, para o azar de Tom, Summer se mostrava um pouco insensível e talvez indiferente, dizendo a ele coisas que apaixonados não podem ouvir e por vezes fomentando uma paixão que ela sabia que não seria correspondida.

A ascensão de Tom ocorre quando ele percebe que, de tão vidrado que estava nesse ideal, não conseguia perceber bem o mundo a sua volta, seja pela dificuldade de compreensão dos conflitos de Summer durante o relacionamento, seja pela negação da ideia de que ele poderia amar e ser amado por outras pessoas. No final, ele se abre, enfim, para o mundo, e deixa para trás a Summer de seus sonhos.

O filme é, na minha opinião, excelente, uma vez que aborda com sinceridade o tema da desilusão amorosa.

6 comentários:

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  2. Já dizia Bukowski: "O amor é uma neblina que se dissipa na aurora da realidade".

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  3. Também gostei do filme. A pior coisa que pode acontecer ao amor é a experiência (ainda quero escrever sobre isso). Apenas não concordo com o argumento final do filme, que deixa nas entrelinhas que existe um desígnio "metafísico" que nos auxilia a achar "a" pessoa. Não creio que exista "a" pessoa. A mensagem é bem clara quando a Summer diz mais ou menos isso ao Tom ("eu senti com ele [o noivo] o que nunca tinha sentido com você") e na intervenção do narrador, na última cena, quando somos apresentados à Autumn. É nesse exato instante que o filme se mostra hollywoodiano, ao resgatar uma tradição româmtica que, aparantemente, se punha a questionar.

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  4. James: interessante sua interpretação. Ela foi bem diferente da minha. Posso estar errado, mas o que percebi foi justamente o contrário. O filme ataca essa visão metafísica, na minha visão. Na cena final, se bem percebi (nao estou com o filme aqui neste momento) o narrador descreve o "amadurecimento" de Tom, inclusive dizendo que o protagonista não mais acreditava em destino e em alma gêmea. Autumn é apresentava como a oportunidade que Tom não conseguia enxergar porque estava vidrado em Summer. Autumn diz que já o tinha visto naquele bar que ele frequentava. Ele, todavia, nunca a tinha reparado pois só pensava na outra. O filme não diz que Autumn é a alma gemea, mas que ela é uma pessoa, assim como muitas outras, com quem Tom poderia passar bons momentos. Também interpretei de forma diferente a cena com Summer que você mencionou. Ela, a meu ver, apenas narra que, por motivos que ela própria não compreende e em plena contradição com o próprio discurso, se apaixonou por outra pessoa. O filme não nega a ideia de paixão, mas a ideia de romances perfeitos. Assim eu interpretei!

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  5. Boa essa conversa. Revi as duas cenas e concluí que as nossas impressões se complementam, na verdade. O filme passa uma mensagem ambígua, porque, a todo instante, há um personagem pronunciando um ponto de vista diferente sobre as razões do amor.

    Na penúltima cena, quando Tom encontra Summer no parque, ela diz, expressamente, estar convencida da opinião que até então era dele: existiria uma relação metafísica nessas coisas (“era pra ser”, diz ela ao mencionar o seu casamento). Aqui Summer adere ao pensamento anterior de Tom, quanto ao destino e ao amor, que agora ele passa a qualificar como “fábula infantil e idiota”. O argumento inicial do filme é mantido, mas deixa de ser dele e passa a ser dela, o que os fatos narrados parecem confirmar.

    Na última cena, a voz do narrador é reintroduzida diante da apresentação de Autumn. Vou transcrever o que ele diz. Você verá que é exatamente o que está exposto na resposta que você me dirigiu:

    “A maioria dos dias é esquecível. Eles começam e terminam sem lembranças duradouras no final. A maioria dos dias não causa qualquer impacto no curso da vida. 23 de maio era uma quarta-feira.” Tom e Autumn se conhecem e passam a conversar sobre ele ver sem enxergar. Volta o narrador: “Se Tom aprendeu algo era que você não pode atribuir grande significância cósmica a um simples acontecimento mortal. Coincidência. É sempre o que é. Nada mais do que coincidência. Tom finalmente aprendeu que milagres não acontecem. E que essa coisa de destino não existe. Nada tem que acontecer. Ele sabia. Agora, ele tinha certeza. Ele tinha certeza absoluta...”

    Se isolássemos a mensagem do filme apenas do ponto de vista de Tom, eu concordaria integralmente com a afirmação de que a película rompe com a tradição hollywoodiana de amor romântico. Por outro lado, a forma como Summer sai do filme deixa entrever que a raiz romântica não foi extraída; a árvore foi apenas podada. Ou seja, a metafísica continua sendo pregada, agora na voz de Summer, mas com os temperamentos das novas convicções de Tom.

    Gosto muito desse filme e, ao rever essas duas cenas, por força do seu post, vi ainda mais expressão nele.

    Obrigado,
    James

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  6. James
    Revi a cena de Summer e Tom no parque. Parece-me que de fato Summer interpreta com tom metafísico o evento de seu casamento, pois ela fala que aconteceu porque "era pra ser". Também fiquei com a impressão final de ambiguidade na mensagem do filme. Mas ainda assim me parece que ele desmistifica o romantismo tradicional de hollywood, já que retira a certeza da felicidade e toma a ideia do acaso, do imprevisível e do incontrolável. A certeza do amor é substituída pela ideia de que o amor pode acontecer mas pode também não acontecer. E pode acontecer não com aquela pessoa com quem você espera que aconteça, mas com alguém que não estava nos seus planos. Nossas opiniões estão próximas, mas eu ainda tendo a pensar que o ataque ao romantismo hollywoodiano foi duro.
    Agradeço também pela frutífera discussão!

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