Quando se escreve uma biografia, é comum que se tome uma dessas duas direções: ou a apologista ou a crítica. Na apologista, cria-se um herói. Na crítica, desconstrói-se um ídolo ou expõe-se seus defeitos. Em Na natureza selvagem, o livro e o filme parecem ter tomado rumos distintos.
No filme, vemos uma obra claramente apologista. Christopher McCandless é um herói que, cansado das hipocrisias da sociedade, decide viver uma experiência solitária, criando para si mesmo um desafio de sobrevivência, que o aproximaria de sua real natureza. Tenho certeza de que os elogios recebidos pela película foram merecidos. Mas há que se ressaltar que ela apenas aborda um lado do protagonista e ignora muitas reflexões interessantes trazidas pelo livro.
Apesar deste texto ser uma crítica ao filme, vou destacar um tema que foi negligenciado no cinema: a tentativa de compreensão das razões de McCandless. O que levou o garoto a tal ousadia? Krakauer, como já mencionei, teve seu momento McCandless, mas com a sorte de sobreviver. Ele escalou sozinho certa montanha e fazendo isso quase morreu. Após retornar, foi a um bar numa cidade próxima e contou sua façanha. A reação foi surpreendente: as pessoas não duvidaram dele, mas simplesmente não deram importância. Ele frustrou-se, confessa, pois esperava, inconscientemente, ser considerado especial, importante, pela proeza. Mas o que era importante para ele, o que era uma prova para ele, não era para os outros. Kraukauer se pergunta: terá tido McCandless motivação semelhante? O autor do livro quer refutar a ideia de que o jovem aventureiro era um suicida, como pensavam muitos no Alasca (“mais um idiota que veio morrer aqui”).
Compreender aos outros é uma tarefa muito difícil. Mal compreendemos a nós mesmos. Mas o diálogo é possível. Sabemos que, no fim das contas, McCandeless nunca deixou de pensar na sociedade da qual se isolou. Ele escreveu seu bordão famoso “a verdadeira felicidade é a compartilhada” talvez se surpreendendo com sua solidão, e antes de morrer tentou nos convencer de que foi uma pessoa feliz. Ele poderia ter sobrevivido se tivesse levado um mapa do local, mas preferiu desenhar um próprio – erro que o levou a pensar que estava preso, quando na verdade havia uma saída fácil. Se tivesse sobrevivido, McCandless seria hoje Kraukauer?
Vale a pena ver o filme. Contudo, para uma visão mais ponderada, o livro deve ser lido também.
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