A história de uma desilusão amorosa
(Esta crítica contém revelações sobre o enredo do filme)
Talvez seja correto dizer que Hollywood contribuiu substancialmente para a consolidação da noção de amor romântico que figurou no imaginário popular durante grande parte do século passado. Foram várias as gerações que cresceram acreditando que o destino lhes guardaria uma alma gêmea, com quem viveriam felizes para sempre. Mas as relações sociais se modificaram e o amor romântico, nos moldes do início do Século XX, entrou em crise. Se isso é verdade, então talvez possamos dizer que 500 dias com ela é um antídoto que Hollywood produz contra seus próprios velhos filmes românticos.
O filme, que ora é classificado erroneamente como comédia romântica, pode pegar de surpresa os casais que o locarem esperando serem enganados (me engana que eu gosto) com a ideia de que o amor, quando verdadeiro, supera todos os obstáculos. 500 dias com ela, como o próprio filme adverte, não é uma história de amor, mas uma história sobre o amor. Especificamente, uma história de uma desilusão amorosa.
Trata-se da história de Tom Hansem, um ingênuo funcionário de uma empresa de fabricação de cartões com mensagens afetivas, que se apaixona perdidamente por Summer Finn, uma colega de trabalho. O filme, sem seguir uma cronologia linear, conta os 500 dias desde quando Tom vê Summer pela primeira vez. Na primeira parte, somos levados a acreditar que se trata de uma história de amor clichê. Ficamos sabendo como Tom se aproxima de sua amada, que os dias com ela foram felizes e que em determinado momento ela termina a relação de forma súbita, abalando profundamente o rapaz. Há um futuro reencontro inesperado entre os dois, e temos indícios para acreditar que sua relação continuará. Da segunda metade em diante, o filme se revela trágico e angustiante. Descobrimos que o amor dos dois não terá sequência e o que se segue é o processo de amadurecimento de Tom, agora obrigado a lidar com uma situação de amor perdido. O dia de número 500 é aquele em que Tom “esquece” definitivamente Summer.
A história é narrada com a perspectiva de Tom. Este se apresenta como um homem que acredita na infalibilidade do amor. Ao conhecer Summer, Tom acredita que ela é sua alma gêmea e a única pessoa capaz de lhe fazer feliz. Da garota, pouco ficamos sabendo, uma vez que só temos acesso a ela pela visão do protagonista. Podemos perceber que ela é uma moça que só procura relações casuais e que afirma não acreditar em grandes histórias de amor. Ela diz a Tom que gosta dele mas não quer nada sério e ele, temendo perdê-la, deixa-a conduzindo a relação. Num certo momento, a garota termina o relacionamento e a partir daí o rapaz fica paralisado. A dificuldade da superação faz com que ele tenha problemas no trabalho e não consiga iniciar novas relações com outras pessoas. Num momento futuro, o protagonista reencontra sua amada e vive com ela um novo dia agradável. Summer convida Tom para uma festa em sua casa. O rapaz vai com grandes expectativas, mas lá percebe que sua perda é definitiva: a garota está noiva de outro. Depois disso ele até tenta sair com outras pessoas, mas ainda está demasiado preso a seu amor não correspondido. Até que sua irmã [uma míuda (pirralha, para os brasileiros) de 12 ou 13 anos] lhe ajuda a perceber, finalmente, o quanto ele havia idealizado a garota. O restante do filme é o desenvolvimento do amadurecimento de Tom, que se reinventa definitivamente e dá novo rumo a sua vida.
A questão central do filme, a meu ver, é o amadurecimento de Tom, que passa de uma noção muito fantasiosa de amor até que o encara por vez de forma realista. Percebemos que Tom esteve tão mergulhado no próprio narcisismo que só enxergava o que queria ver. Durante seu relacionamento com Summer, ele não estava de fato em sintonia com ela, não queria realmente saber dela. Tom queria enxergar em Summer a garota perfeita que ele idealizou, e mesmo depois do término da relação, suas lembranças eram sempre dos bons momentos – aqueles em que a Summer real parecia a Summer idealizada. No entanto, para a garota, o relacionamento dos dois não havia sido tão bom como para ele – ela não estava tão envolvida e incomodava-se com os conflitos, para ele pequenos. Ainda, para o azar de Tom, Summer se mostrava um pouco insensível e talvez indiferente, dizendo a ele coisas que apaixonados não podem ouvir e por vezes fomentando uma paixão que ela sabia que não seria correspondida.
A ascensão de Tom ocorre quando ele percebe que, de tão vidrado que estava nesse ideal, não conseguia perceber bem o mundo a sua volta, seja pela dificuldade de compreensão dos conflitos de Summer durante o relacionamento, seja pela negação da ideia de que ele poderia amar e ser amado por outras pessoas. No final, ele se abre, enfim, para o mundo, e deixa para trás a Summer de seus sonhos.
O filme é, na minha opinião, excelente, uma vez que aborda com sinceridade o tema da desilusão amorosa.