domingo, 18 de setembro de 2011

O Enigma de Kaspar Hauser ( Jeder für sich und Gott gegen alle – 1974)


O filme se baseia na história verídica de Kaspar Hauser, um rapaz de origem misteriosa que, numa manhã de 1828, aparece numa praça de Nuremberg carregando uma carta dirigida ao capitão da cidade. Esta carta informava que o garoto havia sido criado isolado em um porão praticamente sem ter tido contato com outros seres humanos.  Hauser só sabia pronunciar algumas palavras e mal conseguia ficar de pé. Em 1833, foi assassinado por razões tão misteriosas quanto a sua origem.

O caso Kaspar Hauser, na vida real, chamou muita atenção na época e nos anos seguintes, já que se tratava da história de uma pessoa que cresceu fora de qualquer convívio social. Foi estudado tanto por psiquiatras quanto especialistas de outras áreas, até mesmo juristas. No filme, o diretor preferiu abordar apenas alguns aspectos da biografia. Seu foco principal foi o contraste de Kaspar Hauser com as instituições sociais.

O isolamento do rapaz em seus primeiros anos de vida fez com que ele tivesse grandes dificuldades em compreender muitas das convenções sociais. Por exemplo, a lógica matemática lhe era estranha e a ideia de Deus lhe era absurda. Hauser tinha também dificuldades em compreender alguns elementos de realidade, como a noção de tamanho em perspectiva (uma torre grande observada de longe lhe parecia menor que uma pequena torre observada de perto) e a diferença entre sonho e realidade. 

A sociedade que lhe acolheu, se por um lado lhe tentou ajudar, por outro tentou constantemente enquadrar-lhe nas já conhecidas formas de inteligibilidade. O fracasso de Hauser na tentativa de adaptação social é interpretado por essa sociedade como um elemento de anormalidade (o que fica explícito na cena final). O diretor apresenta uma abordagem crítica, ao deixar nas entrelinhas que a patologização do rapaz foi uma forma de defesa que essa sociedade arranjou para esquivar-se da autocrítica. Hauser, e sua falta de socialização, roubava muitas certezas que a sociedade tinha de si mesma.

Creio que se trata de uma biografia bastante interessante, pois coloca em questão muitas das pretensas naturalidades que enxergamos em coisas que são fruto de relações sociais e, portanto, inventadas. Particularmente, não acredito em qualquer discurso de natureza humana, já que tudo o que sabemos sobre nós é o que dizemos sobre nós mesmos, e tudo o que dizemos sobre nós mesmos tem prazo de validade - nossa autocompreensão sempre evolui (o que não quer dizer que progrida).

Na minha opinião, o filme é muito bom. Vale a pena conhecer a história de Kaspar Hauser.

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